quinta-feira, 14 de junho de 2007

RELAXA E GOZA

Juca Chaves, ao final de uma piada disse: “Se o estupro for inevitável, relaxa e goza”, outrora, Paulo Maluf em discurso proferido nas Minas Gerais, disparou: -"estupra mas não mata",- agora a mais recente, da Ministra do Turismo, Marta Suplicy, que indagada sobre a atual crise dos aeroportos, nunca dantes vista, sapeca: "Relaxa e goza porque você esquece todos os transtornos depois”. Está dificil distinguir o que é sério e o que é piada. Isto é gozar da nossa paciência. (brownsugar)
E mais:
De estupros e gozos

O leitor prefere a adversativa de "Estupra, mas não mata" ou a aditiva de "Se o estupro é inevitável, relaxa e goza!"? U M BELO DIA, aprendemos na escola que as orações coordenadas podem ser aditivas, adversativas, alternativas etc. Aprendemos também que a conjunção aditiva clássica é "e", que a adversativa clássica é "mas" etc.<
O nome já diz que as aditivas estabelecem nexo de adição, como se vê em "Amor de Índio" (de Beto Guedes e Ronaldo Bastos): "Lembra que o sono é sagrado e alimenta de horizontes o tempo acordado de viver". As adversativas, como o nome também já diz, expressam relação de adversidade, oposição. O célebre poema "Confidência do Itabirano" (de Drummond) termina com esta maravilha: "Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói". É de notar a opção do Poeta pelo ponto final depois de "parede", de que resultam a separação das duas orações que formariam um período composto e o emprego do "mas" como palavra inicial da oração de que participa. Comum no texto literário, esse recurso enfatiza a relação de adversidade estabelecida pelo "mas". Embora o "e" tradicionalmente estabeleça relação de adição, não raro se encontra esse conectivo com matiz adversativo, como neste trecho (de Drummond): "O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar". Ou nestoutro, de Machado: "Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa!" O excerto (de "Memórias Póstumas") é relativo a Eugênia, personagem do romance. A seqüência da passagem é esta: "Esse contraste faria suspeitar que a natureza é às vezes um imenso escárnio. Por que bonita, se coxa? Por que coxa, se bonita?". Mutatis mutandis, pode-se fazer com o conectivo "mas" o que fez Machado com o contraste "bonita/coxa": "Ele rouba, mas faz"; "Ele faz, mas rouba". Em ambos os casos, o "mas" tem valor adversativo, mas parece claro que para o emissor da primeira frase o ato de roubar é menos grave do que é para o emissor da segunda sentença. Essa história de "Rouba, mas faz" me traz à mente outra pérola do rosário de misérias provindas de uma das tantas tristes figuras públicas deste país: "Estupra, mas não mata". Nessa lufada filosófica, a estuprar se contrapõe matar. O estupro seria admissível, desde que a vítima não fosse assassinada. Então tá. Quando proferida, essa quintessência do delírio causou protestos indignados etc. Nada mais justo. Mas perguntar não ofende: a sociedade que condena essa barbaridade não é a mesma que criou e adotou o lema "Quando (ou "Se') o estupro é inevitável, relaxa e goza!", pérola da quintessência da futilidade?
Talvez você não se lembrasse, porém é essa a frase original. A "criatividade" ou a conveniência reduziram-na ("Relaxa e goza!"), e ela foi parar em bocas e mentes de calibres vários (de tarados a sexólogos, por exemplo).
O leitor prefere a adversativa de "Estupra, mas não mata" ou a aditiva de "Quando o estupro..., relaxa e goza!"? Cabe lembrar que a raiz (latina) de "gozo" é a mesma de "gáudio" ("alegria", "regozijo"), sentimento que tem sido visto, por exemplo, nos nossos aeroportos: os viajantes são literalmente estuprados e, obedientes ao casto lema brasuca, relaxam, exultam... e gozam! É isso.
PASQUALE CIPRO NETO - 21/6/2007